12/04/2024 às 10h51min - Atualizada em 12/04/2024 às 10h51min

Como Eduardo Bolsonaro (PL) e comitiva articulam com parlamentares dos EUA punições ao Brasil

Comitiva bolsonarista passa uma semana nos EUA e tenta convencer republicanos e lobistas de que Brasil viveria ditadura.

Redação
Agência Pública
Foto: Reprodução
No início de março, uma comitiva de deputados brasileiros capitaneada por Eduardo Bolsonaro (PL) passou cerca de uma semana em Washington (EUA) para angariar apoio político e tentar convencer os parlamentares republicanos de que o Brasil não é mais uma democracia, as informações são da Agência Pública.
 
Eles defendem, por exemplo, que os Estados Unidos aprovem uma lei para penalizar as autoridades brasileiras, sob a justificativa de violação dos direitos de conservadores, e que imponham sanções ao país sul-americano para que a suposta “ditadura de esquerda” seja derrotada.
 
Inicialmente convidados para participar em uma audiência na Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes, os parlamentares tiveram que mudar os planos quando o democrata James P. McGovern, um dos dois copresidentes da comissão, vetou o evento.
 
Em nota à Agência Pública, McGovern afirma que os republicanos estariam “usando o Congresso dos Estados Unidos para apoiar os negacionistas eleitorais da extrema direita que tentaram dar um golpe no Brasil”.
 
A influência de personalidades, empresas e políticos norte-americanos no Brasil é recorrente e um dos casos virou destaque no início desta semana, quando o bilionário sul-africano Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), ameaçou desobedecer a ordens judiciais e criticou as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em seu perfil na rede. 
 
“Nós temos um apoio fora do Brasil muito forte”, disse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao ser indagado sobre o caso. Como resultado, Moraes incluiu Musk nas investigações do inquérito das milícias digitais.
 
Foto: Reprodução – Comitiva de bolsonaristas nos EUA contou com a participação dos deputados Eduardo Bolsonaro (PL), Gustavo Gayer (PL), Marcel van Hattem (Novo), Bia Kicis (PL), Zé Trovão (PL), Amália Barros (PL), Mário Frias (PL), André Fernandes (PL), Paulo Bilynskyj (PL), Coronel Chrisóstomo (PL), Messias Donato (Republicanos), Coronel Ulysses (União Brasil), Delegado Caveira (PL), José Medeiros (PL) e Marcelo Moraes (PL)
Em 12 de março, em vez de participar de uma audiência formal, os deputados bolsonaristas fizeram uma coletiva de imprensa em frente ao Capitólio ao lado do segundo copresidente da Comissão Tom Lantos, o republicano Chris Smith. “Desde o final de 2022, os brasileiros têm sido sujeitos a violações de direitos humanos cometidas por autoridades brasileiras em grande escala”, disse Smith. 
 
O deputado norte-americano também chamou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem atuado para combater a desinformação nas eleições, de “ministério da verdade”, terminologia comumente usada pelos bolsonaristas. Para abordar os “problemas” brasileiros, Smith afirmou que apresentaria “muito em breve” um projeto de lei intitulado “Lei Brasileira de Democracia, Liberdade e Direitos Humanos”.
 
O comentarista político Paulo Figueiredo, que acompanhou os políticos bolsonaristas em Washington, chegou a apresentar, durante transmissão ao vivo em seu canal no YouTube, um documento do que seria a lei proposta por Smith, “um pouco do que a gente está desenhando como resolução para o Brasil”. Trata-se do projeto H. R. 6.954, apresentado em janeiro deste ano pelo próprio Chris Smith, ainda em fase inicial de tramitação. O texto, na verdade, trata da Nicarágua, o que não foi citado no vídeo. 
 
Figueiredo ainda leu partes do documento, como as que propõem sanções e penalidades para as autoridades nicaraguenses em caso de desobediência. “Está tudo aqui, não é brincadeira, o projeto de lei vai ser apresentado, um projeto de lei sobre o Brasil dentro do Congresso dos Estados Unidos. Foi isso, esse é o tipo de vergonha que Alexandre de Moraes e companhia estão submetendo o Brasil”, afirmou.
 

Após o cancelamento da audiência da Comissão Tom Lantos, os deputados bolsonaristas utilizaram o burburinho e a chancela de Chris Smith, atualmente no 21º mandato, para interpelar republicanos e tentar angariar apoio para a realização de audiências sobre o Brasil em outras comissões na Câmara, como a Comissão de Relações Exteriores (Committee on Foreign Affairs) e o Comitê de Apropriações (Committee on Appropriations), que regula as despesas do governo estadunidense. 
 
Smith e os parlamentares republicanos Maria Elvira Salazar, Rich McCormick e Bill Huizenga tiveram agendas com os direitistas brasileiros. Os quatro são integrantes da Comissão de Relações Exteriores, na qual os bolsonaristas têm depositado expectativa quanto à realização de uma possível audiência sobre a democracia brasileira. 
 
Além deles, os parlamentares e outros integrantes da comitiva disseram ter se encontrado com os congressistas republicanos John Moolenaar, Ralph Norman, Morgan Luttrell, Andrew Clyde e Mario Díaz-Balart. “Todos esses são votos que nós já estamos colhendo para assinar, para serem corresponsáveis do Brasil Act. E vamos bater nas portas, vamos bater nas portas uma a uma”, disse Figueiredo durante transmissão ao vivo em Washington. Os deputados norte-americanos não divulgaram encontros com os brasileiros nas redes sociais. 
 
O deputado Gustavo Gayer ainda afirmou que a comitiva se encontrou com Robert Destro, que foi secretário adjunto do Escritório de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho no governo Trump, e Eduardo Bolsonaro deu entrevista a Sebastian Gorka, ex-vice-assistente do presidente. O vídeo da entrevista foi removido do YouTube por violar os termos de serviço da rede. 
 
Na noite de quarta-feira, 13 de março, Eduardo, Mário Frias (PL) e Donald Trump jantaram no resort Mar-a-Lago, propriedade do ex-presidente norte-americano, na Flórida. Na ocasião, o deputado ligou para seu pai, e os dois ex-mandatários conversaram por videochamada. 
 
Cartilha de movimentos replicada no caso do Brasil
Para o especialista brasileiro em direitos humanos e ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) Paulo Abrão, os bolsonaristas têm utilizado “o mesmo manual de advocacy que as dissidências cubanas, venezuelanas e nicaraguenses exiladas dentro dos Estados Unidos”, sem, no entanto, representar uma resistência legítima como os grupos sociais desses países.
 
“Os bolsonaristas estão, de forma ilegítima, tentando seguir esse mesmo roteiro, tentando equiparar o governo Lula com governos ditatoriais da região. Não é à toa que eles estão utilizando exatamente essa linha, porque é a linguagem e a gramática que funciona para ativar esses outros foros. A gramática de nomear como ditadura, como governo autoritário, como violador de direitos humanos, como um narcogoverno”, acrescenta.
 
Abrão aponta que as relações entre os bolsonaristas e outros integrantes da direita latino-americana foram costuradas na Flórida, onde vivem os exilados latinos e integrantes de grupos bolsonaristas organizados, além de Paulo Figueiredo e Allan dos Santos. 
 
Um dos grupos ativos no estado é o Yes Brazil USA, que, de acordo com apuração da Pública, foi um dos responsáveis por organizar a agenda de Jair Bolsonaro nos três primeiros meses de 2023, quando o ex-presidente viveu nos Estados Unidos. Em publicação nas redes, Gustavo Gayer disse que a comitiva de deputados recebeu “um apoio gigantesco” do grupo. “Sem o pessoal do Yes Brasil eu acredito que isso não teria funcionado, isso não teria alcançado a magnitude que nós conseguimos alcançar”, afirmou. 
 
Apelo intercontinental por intervenções


Convencer o mundo de que o Brasil não é mais uma democracia é um dos focos atuais do bolsonarismo. Os deputados têm viajado a diferentes países, marcado agendas e distribuído materiais aos parlamentares norte-americanos – como a petição The truth about the democracy in Brazil [A verdade sobre a democracia no Brasil, em tradução livre], de autoria do deputado Gustavo Gayer. 
 
A Pública acessou o documento, que traz a insígnia do Congresso Nacional e argumenta que o TSE estaria “processando e culpando oponentes do atual presidente da República sem a menor base probatória, tudo com a única intenção de aniquilar a oposição ao atual governo”. A petição conta com a assinatura de 40 deputados e dois senadores.
 

Nesta semana, integrantes da comitiva bolsonarista que foi aos EUA viajaram ao Parlamento Europeu, entre eles Gayer, que está produzindo outra petição sobre a democracia brasileira, desta vez direcionada aos políticos da Europa, como informou representante do gabinete dele à reportagem. 
 
No ano passado, a Pública mostrou que Eduardo Bolsonaro, principal articulador internacional do movimento, fez ao menos 125 reuniões com membros da extrema direita do continente americano. De acordo com postagem em suas redes, ele ainda planeja ir à Alemanha, Hungria e Israel neste ano. 
 
Muito além do barulho no Capitólio
Além das agendas com deputados norte-americanos, a comitiva bolsonarista em Washington fez reuniões em instituições de extrema direita. Encontraram-se, por exemplo, com Matt e Mercedes Schlapp, os organizadores da Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC), evento que terá sua quinta edição brasileira em julho, em Santa Catarina. 
 
Após a reunião, o CPAC lançou um posicionamento sobre o Brasil no qual critica os governos Biden e Lula e pede que o país “liberte imediatamente os presos por processos políticos”. O presidente da iniciativa, Matt Schlapp, defendeu também que a administração Biden “imponha sanções ao governo brasileiro por suas flagrantes violações dos direitos humanos contra seu próprio povo”.
 

A comitiva também visitou laboratórios de ideias [think tanks] conservadores, como o Cato Institute. O analista político Andrés Martínez-Fernández, inclusive, representou a Heritage Foundation e acompanhou o movimento bolsonarista na capital estadunidense – a Heritage, também visitada, serviu de inspiração para a criação do Instituto Conservador-Liberal de Eduardo Bolsonaro. “Esta é uma situação que merece uma resposta dos Estados Unidos para garantir que não vejamos o Brasil seguir o caminho perigoso que está trilhando atualmente”, disse Martínez-Fernández.
 
O grupo também se reuniu com Christian Halveston, da organização cristã Cedars House. “Fizemos destaques importantes daquilo que tem acontecido na democracia brasileira e fomos ouvidos”, disse o deputado Messias Donato em vídeo sobre o encontro. 
 
Quem também teria demonstrado apoio ao movimento bolsonarista foi o grupo de lobby The Conservative Caucus, que, segundo Paulo Figueiredo, organizou uma recepção para a delegação em 12 de março no Capitol Hill Club, local frequentado por republicanos. O comentarista disse também ter se encontrado com a Alliance Defending Freedom (ADF), que se autodescreve como grupo que “promove o direito dado por Deus de viver e falar a verdade”, para discutir o acesso à CIDH. 
 
Na quarta-feira, 13 de março, a comitiva foi recebida pela CIDH e apresentou petição assinada por 76 parlamentares que atribui a Moraes “atos tirânicos”. O documento foi elaborado pelo integrante Coronel Ulysses. Na reunião, Allan dos Santos chegou a afirmar que o grupo está “desesperado” e que a prisão dos golpistas de 8 de janeiro é “uma piada”. Não foi a primeira vez que os bolsonaristas apresentaram petições à CIDH. Em novembro de 2022, Paulo Figueiredo e Carla Zambelli (PL) fizeram o mesmo, mas as denúncias ainda não tiveram resultados. 
 
“Da forma como a política nos Estados Unidos está configurada, esses think tanks exercem um lobby em relação aos congressistas” e atuam como “um grupo de pressão”, explicou Isabela Kalil, antropóloga e coordenadora do Observatório da Extrema Direita, em entrevista à Pública. Além disso, podem auxiliar com financiamento, com compartilhamento de recursos e com a elaboração de estratégias em busca de apoio internacional. Kalil e Abrão concordam que uma possível volta de Donald Trump à presidência pode fortalecer as denúncias dos bolsonaristas.
 
Os próprios parlamentares dizem estar percebendo que a insistência nas visitas ao exterior tem gerado resultados: “No início, quando a gente falava, parecia que a gente estava falando alguma coisa descabida”, afirmou a deputada Bia Kicis (PL), uma das integrantes da comitiva de março, à Epoch Times Brasil, que entrevistou vários membros da delegação. “Havia uma certa desconfiança, por falta de conhecimento mesmo, mas com as participações do Eduardo no CPAC, com o contato dele, da família Bolsonaro com o Trump, isso tudo foi trazendo à luz o que está acontecendo no Brasil”, avaliou.
 
Bastidores de uma audiência cancelada: “Sem precedentes”


Em 5 de março, antes mesmo de receber a confirmação de McGovern, o copresidente democrata da Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos, de que a audiência poderia ocorrer, o deputado republicano Chris Smith convidou 26 senadores e 70 deputados a comparecer no evento sobre a “crise da democracia, liberdade e o Estado de Direito” no Brasil. 
 
A Pública acessou o convite, enviado ao gabinete do senador Eduardo Girão (Novo), via Lei de Acesso à Informação (LAI). O texto cita supostas violações e silenciamentos da “mídia de oposição” para pedir o comparecimento do convidado. “Sua posição e responsabilidades como autoridade eleita fazem do senhor uma fonte inestimável de conhecimento da situação no seu país e qualificado de forma única para representar as preocupações dos brasileiros”, diz o documento. 
 
Girão conheceu Smith antes mesmo de ser eleito, em uma articulação contrária ao direito ao aborto, mas disse à reportagem que reatou o relacionamento com o parlamentar em novembro do ano passado, quando da ida de outra delegação de bolsonaristas para Washington. De acordo com ele, foi naquela ocasião que surgiu a ideia de fazer uma audiência na Comissão de Direitos Humanos. Girão visitou Smith novamente em janeiro deste ano e também afirmou que, caso o evento tivesse sido mantido, ele e outros sete senadores teriam ido aos EUA.
 
À Pública, um assessor do gabinete de McGovern disse que o gabinete foi informado de que o republicano gostaria de fazer a audiência no fim do dia 5 de março e que não tinha conhecimento de que Smith havia convidado os parlamentares brasileiros naquele mesmo dia. De acordo com ele, não é comum que a comissão, que busca ser imparcial, ouça congressistas ativos no cargo como testemunhas, o que foi um dos motivos que levou McGovern a discordar da realização do evento. Ele classificou o envio do convite pelo republicano aos parlamentares brasileiros como “sem precedentes”.
 
O assessor ainda afirmou que não é a primeira vez que a realização de uma audiência na Tom Lantos é impedida por um dos copresidentes, ao contrário do propagado pelos integrantes da comitiva bolsonarista nas redes sociais. Disse que, no ano passado, McGovern teria sugerido uma audiência sobre os direitos das mulheres no Oriente Médio, com a presença de Geeta Rao Gupta, embaixadora do Escritório de Questões Femininas no Departamento de Estado dos EUA, e Smith teria negado devido às convicções da convidada sobre o direito ao aborto. A audiência também foi cancelada. 
 
Em nota oficial, McGovern citou a presença de Paulo Figueiredo entre as testemunhas como um dos motivos para o cancelamento. “Aqueles que atacaram o Congresso brasileiro foram inspirados pela insurreição de Trump, e os republicanos querem dar-lhes cobertura. Entre as testemunhas propostas estava Paulo Figueiredo Filho – um empresário de extrema direita que se gaba das suas ligações com Trump – que está sob investigação criminal pelo seu papel na conspiração para anular as eleições brasileiras”, afirmou.
 
A Pública tentou contato com o deputado republicano Chris Smith, para entrevista ou resposta oficial, mas não obteve retorno. Em caso de manifestação, este espaço será atualizado.
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