A inflação de novembro foi a pior a atingir a população em quatro anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto os memes sobre churrasquinho de ovo e pedaços de carne sendo carregados em carro-forte proliferam na internet grande parte da população, não vê perspectiva de voltar a consumir carne como alguns meses atrás sobretudo no mês das festas de fim de ano.
Economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsú afirma que dificilmente o governo federal fará uma intervenção no preço da carne. Ele explica que a falta de controle de Jair Bolsonaro (Sem Partido) em relação à desvalorização do real, diante do valor do dólar, é um dos principais fatores para a perda do poder de compra da população brasileira.
“Os frigoríficos estão exportando e recebendo mais por isso em função da alta do dólar. Agora, vendem aqui dentro praticando o mesmo preço para o exterior. O dólar não pode ter toda essa volatilidade, de R$ 2,20 para R$ 4,20. E o governo não tem nenhuma política ou ideia para controlar o preço da moeda dos EUA, isso o Banco Central poderia fazer”, avalia Sicsú.
Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado na última terça-feira (10) apontou que as famílias de renda mais baixa, somando até R$ 1.643,78 por mês, são as mais atingidas pela inflação. Além dos alimentos, os gastos com moradia também atingem o bolso dos mais pobres, principalmente, a partir do aumento das tarifas de energia elétrica, com a mudança da bandeira verde para amarela nas contas de luz.
“Esse cenário é extremamente negativo para aqueles que ganham menos. Quanto menor o rendimento, maior o gasto em alimentos. São famílias que comprometem mais seus orçamentos com comida. Isso faz com que a inflação para o pobre seja maior”, acrescenta o economista da UFRJ.
A política do governo federal de permitir a alta variação do dólar vem atingido e vai continuar a atingir o bolso do consumidor em outros itens alimentícios. A importação de trigo, por exemplo, vai afetar os preços do pão, de biscoitos e massas. Outro item que está acumulando altas nos últimos meses é o feijão - 42% mais caro em 2019.
Para o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Humberto Palmeira, a alta da carne em função do programa de abastecimento para o mercado da China veio para ficar. Isso vai afetar também outros alimentos vinculados à carne, como é o caso do milho, utilizado para ração do gado bovino.
“A alta do milho vai intensificar também a produção do grão e, consequentemente, tirar espaço de outras culturas de alimentos. Outro ponto é que houve desmonte da produção de arroz da agricultura familiar sobretudo no Norte e no Nordeste, o que tornou inviável transportar arroz do Sul para todo o país. O Brasil não é autossuficiente em arroz e vai importar mais caro da Ásia”, analisa Palmeira.
O coordenador do MPA lembra ainda que os ataques aos povos tradicionais e a sua produção impedem também a construção de uma alternativa ao agronegócio e ao oligopólio de grandes empresas que definem o preço do alimento para a população.
“Não é só um cenário de desmontar as políticas de agricultura familiar, é um cenário em que quilombolas, camponeses, posseiros estão sendo violentamente atacados, expulsos dos territórios para dar lugar à expansão das commodities. Não é uma ausência de políticas, é uma presença de política muito clara e que agora vai afetar a alimentação da população inteira”, afirma Palmeira.