22/09/2021 às 13h07min - Atualizada em 22/09/2021 às 13h07min

Passagem de ônibus gratuita? Cidade de Caucaia – CE mostra que é possível

Para o prefeito Vitor Valim (PROS), esse modelo adotado poderia ser aplicado em outras cidades. “Todo gestor pode propiciar isso a seu cidadão. É dever das cidades garantir transporte público”, afirma.

Você já deixou de ir a um parque, visitar parentes ou até pegar um remédio no posto de saúde por não ter dinheiro para a passagem de ônibus? Essa realidade, que é de muitas pessoas, incomodou Vitor Valim (PROS), prefeito de Caucaia – CE. Decidido a mudar esse cenário, a cidade da região metropolitana de Fortaleza passou a garantir desde 1° de setembro deste ano a gratuidade do transporte público.

“Devido à pandemia, muitas pessoas perderam renda. Assim, a melhor forma que a prefeitura encontrou de melhorar a economia dos cidadãos e da cidade foi a gratuidade do transporte público”, conta Valim. Segundo o prefeito, foram feitos estudos e planejamentos que redimensionaram as despesas da cidade para a garantia da tarifa zero. A medida tem investimento estimado em R$ 25 milhões ao ano. Entre as ações adotadas para assegurar o caixa municipal estão corte de gastos em publicidade, revisão nas contratações de obras e fornecimento públicos.

Caucaia, que é formada por regiões urbanas, praias e regiões rurais, cobrava o valor de R$ 3,50 na passagem na cidade e R$ 3,80 no campo. “Agora, a gratuidade vai ajudar a integrar esses territórios”, explica Valim. A população correspondia a 325 mil habitantes no último Censo, realizado em 2010.

A prefeitura defende ainda que a tarifa zero trará vantagens para a cidade como a diminuição do custo de manutenção das estradas com a presença de menos carros circulando e a redução de gastos com saúde. “Garantir que as pessoas usem mais o transporte coletivo diminui os acidentes de veículos e a maior demanda do hospital municipal hoje são os acidentes de moto”, conta.

Para o prefeito, esse modelo adotado poderia ser aplicado em outras cidades. “Todo gestor pode propiciar isso a seu cidadão. É dever das cidades garantir transporte público”, afirma.

Tarifa zero para milhões de pessoas

Apesar de Caucaia ser hoje a maior cidade do Brasil a garantir transporte público gratuito, esse contingente populacional ainda é bem distante de boa parte das capitais brasileiras, muitas com mais de um milhão de pessoas. Como financiar, então, a tarifa zero para tudo isso de gente?

Em 1992, Lúcio Gregori chegou a uma solução. O ex-secretário de Transportes da prefeitura de Luiza Erundina (1989-1993), em São Paulo – SP, fez um planejamento que tornava viável um transporte gratuito para uma população de mais de nove milhões de pessoas.

“Criamos um IPTU fortemente progressivo, o que significa que casas de luxo, sedes bancárias, estabelecimentos industriais e empresas de grande porte teriam um IPTU maior do que imóveis até 60 m², por exemplo, que continuavam isentos de IPTU. Com isso, faríamos um fundo suficiente para bancar a tarifa zero na cidade”, explica Gregori.

A Câmara de Vereadores da cidade, contudo, não colocou a proposta para votação. Para o ex-secretário, essa ainda é uma das melhores formas de financiamento do transporte gratuito.

“Em cidades com um milhão ou mais de habitantes é necessário a criação de uma nova forma de recurso. Como os impostos municipais são fundamentalmente IPTU, ISS e ITBI, uma reforma nesses impostos seria importante para se obter esse dinheiro. Se isso for difícil, é necessário a criação de algum tipo de contribuição pelo uso do sistema viário”, defende. Como os municípios não podem criar novos impostos, o governo federal pode agir para tornar isso viável.

Hora de deixar o carro na garagem

O processo de urbanização do Brasil privilegiou o carro. Houve muito investimento nesse setor e na construção da cidade ao seu redor. O automóvel significava modernidade. E essa ideia parece se perpetuar até hoje.

“Enquanto outras cidades do mundo já entenderam que esse modelo de cidade é insustentável, que gera poluição e acidentes, no Brasil, infelizmente, temos ações muito tímidas para reverter isso”, conta Erika Cristine Kneib, arquiteta urbanista, mestre e doutora em transportes e professora da Universidade Federal de Goiás.

Para a professora, pensar em cidade sustentável é pensar em transporte público e uma das formas de incentivo desse meio é gratuidade do serviço. “A tarifa zero é muito importante para mostrar que o transporte é um serviço público. Nas pequenas cidades, acho isso muito positivo porque vemos que o prefeito entende o transporte como um investimento e não como um gasto”, opina.

Para as grandes cidades, contudo, a Kneib acredita que a solução ainda está distante já que, como explicou Lucio Gregori, não há um planejamento para que a cidade consiga dinheiro para sustentar o benefício.

Além disso, transporte não é tudo quando falamos de mobilidade urbana. A distância entre centro e periferia e o fato da maior parte das pessoas precisarem se deslocar muito até o trabalho, por exemplo, não é resolvido apenas com a tarifa zero.

“A solução para isso é o que chamamos de cidade policêntrica, ou seja, ter vários centros na cidade onde as pessoas podem desenvolver boa parte das suas atividades sem precisar de grandes deslocamentos”, explica a professora.

Esse tipo de planejamento, apesar de já ter sido feito em boa parte das cidades através de planos diretores, leva tempo. Enquanto isso, adotar medidas de desincentivo de carros e incentivo de uso do transporte público é algo que as cidades podem adotar.

Desincentivar carros não significa dizer que as pessoas não podem ter carros, pelo contrário. “Existe uma diferença entre a posse do automóvel e seu uso. A indústria pode fabricar carros e vender. O problema é usar o carro para todos os deslocamentos”, explica. “Além do mais, qualquer cidade que queira melhorar sua mobilidade precisa apostar fortemente no transporte público coletivo”.


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