31/03/2021 às 13h31min - Atualizada em 31/03/2021 às 13h31min

O papel constitucional das Forças Armadas

Defesa da pátria envolve a segurança da nação, suas fronteiras e seu povo, de eventuais agressões e violações externas.

Requentando o tema da ruptura democrática, o Presidente Jair Bolsonaro voltou a falar sobre Estado de Sítio, usou a expressão “esticar a corda”, dispensou o ministro da defesa, e também o comando das Forças Armadas. Logo entrou novamente em pauta, nas franjas mais radicais do bolsonarismo, a denominada intervenção militar constitucional.

De início, que se deixe claro: não existe intervenção militar constitucional. O que existe, neste aspecto, tem outra denominação: golpe de estado.

Vejamos: o artigo 142 da Constituição, em seu caput:

“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Defesa da pátria envolve a segurança da nação, suas fronteiras e seu povo, de eventuais agressões e violações externas.

Poderes constitucionais são aqueles que garantem o regular funcionamento e existência livre e independente de cada Poder da República.

O trecho que suscita a pseudo polêmica encontra-se no final do artigo: “à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

A expressão garantia de defesa da lei e da ordem, de interpretação muito subjetiva, é sustenta por alguns como a intervenção das Forças Armadas em um Poder da República, como se estas fossem um poder moderador.

Assim, na visão de alguns, lei e ordem seria uma expressão que traduziria a vontade de um Poder sobre o outro ao arrepio da Carta Maior, na base da força da arma.

Desta forma, como um poder extraordinário, as Forças Armadas poderiam, por iniciativa do chefe do Poder Executivo, por exemplo, adentrar o gabinete de um ministro do Supremo para que determinada ordem judicial fosse revogada.

Abandonar-se-ia o recurso democrático pelo recurso da ameaça; o da argumentação pela força material da arma. Como nas palavras atribuídas a Mao Tsé Tung: “todo poder político vem do cano de uma arma”.

Portanto, para os mais radicais, caberia às Forças Armadas o julgamento subjetivo de interpretar se houve invasão de competência de um Poder sobre outro. Parece absurdo, um ato de força antidemocrático para garantir a democracia.

Para Hans Morgenthau, o estado-nação se fundamenta em três condições que o levam a manter a paz e a ordem: o “poder avassalador”, as “lealdades supra seccionais” e a “expectativa de justiça”.

Os cidadãos somente não rompem a paz nacional por tais razões: o poder avassalador do estado impede a iniciativa de rompimento.

Vejamos em particular o “poder avassalador”. Este se manifesta por meio do monopólio legítimo da força organizada. Max Weber o define como poder de coerção e coação (dissuasão). A própria existência do estado exerce esta pressão social, a coação que dissuade iniciativas contrárias a existência deste.

É descabida a interpretação de alguns que entendem as Forças Armadas como um poder moderador.

Em casos muito raros, as Forças Armadas atuam como órgão de força deste “poder avassalador” do estado, para garantir a existência do estado-nação nos termos da Constituição, quando convocado pelos Poderes da República para manutenção do Estado de Direito.

O artigo 142 da Constituição não pode ser lido como um poder coator contra a própria existência das instituições, mesmo porque um tem a força das armas e as instituições são civis e desarmadas.

O texto autoriza o poder de requerer a atuação das Forças Armadas somente nos casos em que grupos estranhos aos poderes delegados por ordem do povo ameacem as instituições, mas não nos casos de conflito de ordem política ou jurídica entre poderes. Mas não qualquer intervenção, mas de tamanha gravidade na qual os demais órgãos de segurança não pudessem atuar para controla-la, como no caso de existência de milícias paramilitares. Ainda assim, trata-se de uma situação excepcionalíssima.

Realizamos, assim, uma leitura em conformidade com o texto constitucional de forma integral. Entendimento contrário atenta conta o Estado de Direito.

A missão das Forças Armadas, além das previstas na Constituição, nesse momento, é salvar vidas, vencendo um inimigo comum: a Covid-19.

Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais - FGV/SP.


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