O Ministério da Justiça fez um relatório sigiloso sobre mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento antifascismo e opositores do governo Jair Bolsonaro. A informação foi revelada por reportagem do Portal UOL.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos à pasta. Entidades da sociedade civil estranharam a preocupação do governo com pessoas que defendem a democracia.
O Ministério da Justiça argumentou em nota que a atividade não configura investigação e se concentra exclusivamente na “prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público”.
A investigação tem como foco servidores públicos ligados a movimentos antifascistas. A reportagem do UOL diz que:
“O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do 'movimento antifascismo' e três professores universitários”.
Segundo a reportagem, a pasta “produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas”.
O relatório foi feito pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), ligada ao ministério.
De acordo com o UOL, investida das atribuições de serviços de inteligência por um decreto de janeiro de 2019 de Bolsonaro, a Seopi não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial.
Assim, “a secretaria vem agindo nos mesmos moldes dos outros órgãos que há anos realizam normalmente o trabalho de inteligência no governo, como o Centro de Inteligência do Exército (CIE) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI)”.
Segundo a reportagem, o dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país e pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.
Ainda de acordo com o Portal, na primeira quinzena de junho a Seopi produziu um relatório sobre o assunto “ações de grupos antifa e policiais antifascismo”.
“O relatório foi confeccionado poucos dias depois da divulgação, no dia 5 de junho, de um manifesto intitulado ‘Policiais antifascismo em defesa da democracia popular’. Subscrito por 503 servidores da área de segurança, aposentados e na ativa no manifesto, o movimento se diz suprapartidário e denuncia um ‘projeto de neutralização dos movimentos populares de resistência’, propondo uma ‘aliança popular antifascismo’”, diz trecho da reportagem.
Depois da publicação da reportagem, o MPF no Rio Grande do Sul abriu um procedimento, no início da semana, para cobrar informações do Ministério da Justiça.
O MPF quer saber se há elementos que indiquem uma atuação do governo para limitar a liberdade de expressão e deu um prazo de dez dias para o envio de explicações sobre as razões do relatório.
Também no início da semana, a Anistia Internacional se manifestou sobre o relatório do Ministério da Justiça. Em nota, disse que exige o fim de toda e qualquer investigação secreta e ilegal contra opositores do governo.
A organização defende que toda e qualquer atividade de inteligência do ministério precisa ter como base investigações policiais regulares, motivadas pela ocorrência de crimes, sendo autorizadas e supervisionadas pela autoridade judicial. Caso contrário, consistirá em arbitrariedade, violando os direitos humanos.
O movimento Policiais Antifascismo se manifestou em nota e lembrou que esta “constrangedora medida do governo federal” não é apenas contra o grupo, mas contra todos que amam as liberdades e que laboram pela democracia. Eles afirmam que pedirão a apuração, responsabilização e reparação da verdade em todas as instâncias possíveis.
Nesta quarta-feira (29), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) afirmou que é gravíssimo que o Executivo federal pratique a vigilância de vozes dissonantes e de representantes críticos ao governo, numa caçada que remonta a práticas da ditadura militar.
Para a organização, o suposto dossiê “representa uma ameaça flagrante ao estado democrático de direito e aos valores constitucionais por estimular a perseguição à livre expressão de ideias e pensamentos, bem como a posicionamentos políticos”.