Cantando com o coração, concerto de Natal traz alento aos familiares das vítimas da tragédia da Vale

Um espetáculo musical para levar alento, empatia e solidariedade para os moradores de Brumadinho – MG e familiares das vítimas do rompimento da barragem da Vale, que passam por mais um Natal com um lugar vazio na mesa e sem ver os responsáveis pela tragédia punidos. Na tragédia, que aconteceu em 25 de janeiro em 2019, 272 pessoas morreram.
 
Realizado na noite de 23 de dezembro, na Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Conceição de Itaguá – Brumadinho, o concerto Sincronicidades: Viver o Tempo e o Natal Juntos! foi promovido pelo Projeto Legado de Brumadinho*, em parceria com a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM).
 
Na abertura, Alexandra Andrade, presidente da AVABRUM, lembrou que este Natal de 2022 é o terceiro sem a presença dos entes queridos, e reforçou que a dor da perda é ainda mais forte por causa do sentimento de injustiça. Neste mês, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a ação penal que julgará os responsáveis pela tragédia vai tramitar na Justiça Federal, o que anula o processo em andamento há três anos na Justiça Estadual Mineira.
 

Ela reforçou que a luta diária por justiça seguirá, bem como a luta pelo encontro das três joias, como carinhosamente são chamadas as vítimas da tragédia, que ainda não foram localizadas: Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathalia de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva.
 
O concerto tocou os corações e mentes enlutados, através das habilidades e vozes de grandes músicos com experiências, inclusive, internacionais. O repertório de canções natalinas foi interpretado pelos músicos Lucy Rempel, Eduardo Lakschevitz e o brumadinhense Ângelo Sanrah, e contou ainda com a participação mais do que especial de seu filho, Theo Sanrah, de 8 anos, e da jovem Mariana Nascimento, de 16 anos, que perdeu o pai na tragédia.
 
Natural de Brumadinho, Ângelo Sanrah já venceu festivais de música em nível nacional, é idealizador da ONG Batucabrum e já gravou com artistas como Leila Pinheiro e Zélia Duncan. Para ele, participar do concerto foi especial, pois acredita que a música gera transformação a quem precisa ser tocado.
 

“A música tem o poder de alentar o dia a dia, de ressignificar a situação. No Natal isso costuma vir mais à tona, com o renascimento de Jesus, com bondade, reaproximação, e isso tende a elevar mais essa tônica de transformação, para mudar o dia dessas pessoas aqui. Eu acredito que a arte e a música têm esse tipo de poder”, comentou.
 
Sanrah perdeu muitos amigos no rompimento da barragem da Vale. Acolheu amigos e resolveu acompanhar de perto a jovem Mariana Nascimento, cujo pai era músico.
 
“A música é um importante legado para Brumadinho, seja através do Batucabrum, seja através de outros laços. Quem perdeu amigos, entes, tem na música um jeito especial de abraçar. Nós, músicos, temos essa missão. Na maioria dos eventos que eu posso inserir a Mariana, ela vai. Ela é talentosíssima. Vem de berço. A música tem um poder de transformação e de mudança”, disse.
 
Lucy Rempel, que é uma pianista e arranjadora com importante trabalho realizado no Brasil, Austrália e Estados Unidos, inclusive com concertos com a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), disse que a música é muito mais do que simples notas.
 

“É a minha primeira vez em Brumadinho. Foi uma honra tocar aqui e participar de um projeto como esse. Para mim, é muito importante usar a minha música com um propósito, não simplesmente tocar, mas fazer diferença. A música traz leveza, calma, tranquilidade, mudança de perspectiva. É uma alegria participar desse evento lindo. Espero que todos tenham gostado, pois a gente faz com amor. A música passa mais do que notas: passa amor e alento aos familiares”, disse a pianista.
 
Outro músico que se apresentou no concerto foi Eduardo Lakschevitz, doutor em Música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) e mestre pela Universidade de Missouri (EUA). Com experiência regendo diversos corais, como o da TV Globo, e na gravação de muitos discos, ele conseguiu levantar a plateia e, em determinado momento, convidou todos a irem ao palco, cantar, fazendo assim um lindo e improvisado coral.
 
“Eu falo em um tom muito emocionado, de verdade, porque quando cantamos, movemos questões em nossa mente. A gente se envolve com tudo. Muita gente perdeu entes aqui, e a música ajuda nessa aproximação com quem não está perto. Cada um tem isso de uma forma muito especial, única. Eu trabalho com música desde os 6 anos, e a música provoca diferentes sensações e ações. Eu não consigo explicar. A música aflora muitas coisas boas, duras, mas sempre trazendo visão de mundo que transcende a visão daqui”, afirmou.
 

Eduardo revelou que, para montar a programação da noite, teve que refazer o serviço diversas vezes, pois queria algo diferente e que levasse afeto.
 
“Quando eu estava preparando o programa de hoje, refiz o serviço 20 vezes. Eu queria que as pessoas pudessem aproveitar para elas, de uma maneira afetiva. Em Brumadinho, hoje, aqui, foi diferente. Estar aqui hoje é diferente. Isso me exige muito cuidado, pois eu me emociono muito”, finalizou.
 

*Projeto realizado com recursos destinados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo pago a título de indenização social pelo rompimento da Barragem em Brumadinho – MG em 25/01/2019, que ceifou 272 vidas.