19/01/2022 às 15h00min - Atualizada em 19/01/2022 às 15h00min

Jornalistas do jornal Folha de S. Paulo se manifestam contra “publicação recorrente de conteúdos racistas”

Abaixo-assinado de protesto de profissionais contra postura de publicação da família Frias foi entregue à direção da Folha com 186 assinaturas.

Redação
“Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal”, diz texto de “Carta Aberta e Jornalistas da Folha à Direção do Jornal”.
 
No final do texto, que é um protesto contundente contra a publicação de artigo do intelectual Antônio Risério em que ele fala de “racismo reverso”, seguem-se assinaturas de 186 profissionais da publicação controlada pela família Frias de Oliveira (também controladora do Portal UOL).
 
“O episódio a motivar esta carta foi a publicação de artigo de opinião intitulado ‘Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo’ (Ilustrada Ilustríssima, 16/1), em que Antonio Risério identifica supostos excessos das lutas identitárias, que estariam levando a racismo reverso”, escrevem os jornalistas no texto da carta.
 
“O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros”, dizem ainda.
 
Os jornalistas, no abaixo-assinado, deixam claro reconhecerem ser o pluralismo de opinião uma das bases do projeto editorial da Folha. Mas, advertem: “o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana. A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina. Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?”
 
Íntegra da carta enviada à direção da Folha
 
"19 de janeiro de 2022
 
Carta aberta de jornalistas da Folha à direção do jornal
 
Caros membros da Secretaria de Redação e do Conselho Editorial da Folha,
 
Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal.
 
Sabemos ser incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da chefia, mas, se o fazemos neste momento, é por entender que o tema tenha repercussões importantes para funcionários e leitores do jornal e no intuito de contribuir para uma Folha mais plural.
 
O episódio a motivar esta carta foi a publicação de artigo de opinião intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha forca com identitarismo” (Ilustrada Ilustríssima, 16/1), em que Antonio Risério identifica supostos excessos das lutas identitárias, que estariam levando a racismo reverso.
 
Para além de reafirmarmos a obviedade de que racismo reverso não existe, não pretendemos aqui rebater o que afirma o autor – pessoas mais qualificadas do que nós no tema já o fizeram, dentro e fora do jornal.
 
No entanto, manifestamos nosso descontentamento com o padrão que vem se repetindo nos últimos meses.
 
Em mais de uma ocasião recente, a Folha publicou artigos de opinião ou colunas que, amparados em falácias e distorções, negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. Esses textos incendeiam de imediato as redes sociais, entrando para a lista de mais lidos no site. A seguir, réplicas e tréplicas surgem, multiplicando a audiência. A controvérsia então se estanca e morre, até que um novo episódio semelhante surja.
 
Antes do artigo em questão, colunas de Leandro Narloch e Demétrio Magnoli cumpriram esse papel.
 
Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros.
 
Reconhecemos o pluralismo que está na base dos princípios editoriais da Folha e a defesa que nela se faz da liberdade de expressão.
 
No entanto estes não se dissociam de outros valores que o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana. A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.
 
Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?
 
Se textos como o de Antonio Risério atraem audiência no curto prazo, sua consequência seguinte é minar a credibilidade, que é, e deve ser, o pilar máximo de um jornal como a Folha.
 
Por esses motivos, convidamos a uma reflexão e uma reavaliação sobre a forma como o racismo tem sido abordado na Folha. Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia".
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